CRUZANDO A PONTE DO MERO PROFESSAR
(Ou abandonando o discurso vazio)
Dias atrás foi-me perguntado o que me motiva a ensinar. Pensei por dois segundos, não mais do que isso e respondi de imediato:
- Sei que parece lugar comum, mas é o brilho nos olhos e o sorriso nos lábios de meus alunos quando faço ou digo algo em aula - na maior parte das vezes sem intenção - que transforma sua visão de mundo, amplia sua percepção da realidade e acende a paixão pelo conhecimento.
Mas, logo em seguida, enchi-me de tristeza ao lembrar da realidade que percebo ao redor: aulas nas quais a maioria dos professores finge transmitir - na essência da palavra - conteúdos, a alunos que fingem aprender. Mais um lugar comum, mas este não poderia ser mais verdadeiro. Impera a lei do mínimo esforço.
O antepositivo “profess-” que forma o substantivo professor tem sua origem no latim e significa: 'declarar, manifestar, dar a conhecer’. No entanto, em minha opinião, a maior parte daqueles que hoje profes-sam, pouco se importam em “dar a conhecer” e a comunicar, ou seja “por em comum” seu conhecimento. Restringem-se a um discurso vazio sem receptor, sem interlocutor, o qual ressoa nas paredes e encontra forma na fria lousa da sala de aula.
Conheço uma psicóloga que afirma que alguns de seus ditos colegas de trabalho deveriam ser sapateiros. Sem qualquer menosprezo por estes, pois alguns são verdadeiros mestres em seu ofício gostaria de acrescentar ao comentário de minha amiga: "Alguns docentes também deveriam ser sapateiros". Lidar com pessoas, influir em sua vida, demanda diferentes habilidades das exigidas para ser um artesão - no mínimo conhecer a si para não jogar no outro suas frustrações. Imaginem como se sente um professor de redação,incapaz de produzir uma linha, ao perceber que seus alunos do ensino fundamental são tão criativos a ponto de inspirados por uma única palavra ou frase conseguir "tecer" cuidadosamente um texto inovador com coesão, coerência, sentido... ?
Independentemente da disciplina lecionada, é primordial que o docente tenha capacidade de sentir empatia por seus alunos, ou seja, que consiga se colocar no lugar deles e ajude-os a se libertar de seus temores, de sua ansiedade e mostrar-lhe que é possível errar e ousar, pois essa é a única forma de descobrirem seu pleno potencial.
Infelizmente, percebo que grande parte daqueles com diploma de mestre não se permitirem cruzar a barreira do mero professorado e se imbuir do papel de educador: “aquele que nutre, cuida , instrui, ajuda a dar forma”.
Você professor, pode estar a questionar: “Mas e nossas condições de trabalho, e quanto aos nossos salários, e os alunos que não nos respeitam?”. Sim, as condições sob as quais trabalhamos são terríveis. Sou da época em que o professor era incensado e prova disso são minhas alunas de uma faculdade da terceira idade que ao final da aula me aplaudem. A primeira vez que isso aconteceu fiquei à beira das lágrimas. Mas, isso justifica o se limitar a dar aulas expositivas, conteudistas que inibam o exercício do livre pensar e priorizem a capacidade de memorizar fórmulas e conceitos? Se houver ao menos um indivíduo em sua sala de aula disposto a transformar informação em conhecimento, este terá valido seu esforço, o idealismo que deveria ter. Quando dava aulas de alongamento em uma escola de dança, uma de minhas alunas mal conseguia se sustentar sobre os pés. Hoje ela é uma grande executiva e sempre diz que isso se deve ao fato de ela ter, quando adolescente, percebido que conseguia se equilibrar sobre as próprias pernas.
Enche-me de tristeza saber que, por vezes, para conseguir dar uma aula meus alunos terão de ter medo de mim em vez de respeitar-me. Isso me remete à nossa cultura na qual as leis têm de ser rígidas para serem obedecidas; a nosso povo, que, em sua maioria, só se dobra frente à repressão, à coerção, à punição.
Sofro ao perceber que conceitos básicos como ética, cidadania, cooperação, hoje pouco valor têm.
Sofro ao perceber que os alunos interessados em aprender, desejosos por evoluir, sejam ridicularizados, intimidados e excluídos pelos “terroristas”.
É lugar comum entre os docentes culpar os pais pelo comportamento inadequado dos alunos e dizer que quanto a isso não há nada a fazer. São os pais que não estabelecem limites, que delegam à escola o papel que lhes caberia, que pouco se importam com a formação dos pequenos... Concordo com os professores em gênero, número e grau. Mas é possível mudar essa situação? Duvido. Ela só tende a piorar.
Portanto, cabe a nós pensar o que é possível fazer face a tal situação.
Qual deve ser nossa postura perante adolescentes que se expressam por meio da agressividade, do barulho; que não sabem ter uma atitude responsável quando a liberdade que tanto demandam lhes é oferecida?
Mandar um aluno para fora da aula faz com que me sinta incompetente, por isso hesito. Na última vez em que me deparei com uma situação incontrolável, preferi sair e chamar a coordenadora a dar a poucos, que impediam o aprendizado de muitos, o gosto de se sentir vitoriosos.
Infelizmente, o comportamento desses alunos é um reflexo de uma sociedade permissiva, na qual apenas a punição, e não a conscientização tem voz.
Espero que meu desabafo encontre ressonância em alguns, não necessariamente em todos.
Sei que a maioria dos professores continuará a cumprir com sua obrigação, de acordo com os ditames, apenas para preservar sua fonte de renda: sem consciência, sem ética, sem desejo.
Mas, para aqueles que preservam em si algum idealismo e continuarão a exercer seu ofício com a dedicação que ele requer, desejo toda a sorte do mundo.
Em minha opinião não há nada mais gratificante do que ter a capacidade de transmitir a alguém que há um caminho nobre a seguir no escuro horizonte que a nós se apresenta.
Não pensem, no entanto, que me dei por vencida, pois como já dito pelo escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano:
" Muitas pessoas pequenas, em lugares pequenos,
fazendo coisas pequenas,
podem mudar o mundo"
Eduardo Galeano
Inspirada em um colega, acabei de criar um blog dedicado à produção de alguns de meus alunos.Passaremos a nos reunir semanalmente em uma "Oficina de Redação Criativa" - durante a qual os textos criados serão trabalhados - e juntos escolheremos quais devem ser publicados, tendo como parâmetro a proposta apresentada em cada um de nossos encontros.
Tudo feito em um processo extremamente democrático.
Tudo feito em um processo extremamente democrático.
Democracia se constrói, se exercita, se exerce.
Nosso objetivo, no momento, é conseguir uma editora disposta a publicar nossa produção.
Alguém se habilita?
Beijos educativos,
Cláudia Coelho
Cláudia Coelho
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