sexta-feira, 18 de abril de 2014

Poema em linha reta

Fernando Pessoa*
(Álvaro de Campos)


Por que compartilhar Poema em linha reta? Afora o mais óbvio - ser ele uma obra, daquele que é, incontestavelmente, um maior maiores nomes da poesia em Língua Portuguesa - por sua atualidade. Escrito em tom de desabafo, percebe-se nas entrelinhas do poema, algumas das principais inquietações da modernidade, ou como alguns preferem da pós-modernidade.





Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.






Breve biografia de Pessoa, considerado o maior poeta da língua portuguesa:

- 1888: Nasce
 Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em Lisboa. 

- 1893: Perde o pai. 

- 1895: A mãe casa-se com o comandante João Miguel Rosa. Partem para Durban,
África do Sul. 

- 1904: Recebe o Prêmio Queen Memorial Victoria, pelo ensaio apresentado no exame de       admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança. 

- 1905: Regressa sozinho a Lisboa. 

- 1912: Estreia na Revista Águia. 

- 1915: Funda, com alguns amigos, a revista Orpheu. 

- 1918/1921: Publica
 English Poems. 

- 1925: Morre a mãe do poeta. 

- 1934: Publica
 Mensagem. 

- 1935: Morre de complicações hepáticas em Lisboa.

*Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.







domingo, 6 de abril de 2014

COMUNICADO DA HONORÁVEL ACADEMIA BRASILEIRA DA SOCIEDADE




Prezados,

A ABSTLDC [Associação Brasileira da Sociedade Toma lá, Dá Ca] vem por meio desta, informar-lhes que, por terem caído em desuso,  a partir de 26 de outubro de 2014, os verbetes: “caráter”, “ética”, “altruísmo”, “respeito”, “empatia”, “idealismo”. Eles e seus derivados serão definitivamente banidos de nossos dicionários. Tal resolução foi tomada com base nos poderes a nós outorgados pelo atual governo da República Federativa Imperialista do Brasil. A nova versão revista e reduzida do Dicionário da ABSTLDC já se encontra à venda nas melhores lojas do ramo. Caso prefira adquirir a versão digital, acesse: www.vivaomaucaratismo.gov.com.br, onde você encontrará um espaço destinado a sugestões de termos que devam ser, terminantemente, eliminados de nossos dicionários, de modo que nosso vocabulário seja cada vez mais restrito, prático e vazio de significado.

Desde já subscrevemo-nos gratos por sua prestimosa colaboração. 


ABSTLDC