EU, PREDADOR
Antes que leia o poema abaixo, gostaria de dizer algumas palavras para que você entendesse o contexto em que foi escrito. Ele foi criado em um momento muito especial, durante o qual estava trabalhando com uma conhecida que veio a se tornar grande amiga. Ainda me recordo de cada uma das palavras que trocamos nas diversas tardes de sábado que passamos juntas. Infelizmente, por obra do destino, nossos caminhos se bifurcaram, mas a síntese de nossos encontros, as conclusões que chegamos, após analisar horas de entrevistas que deixaram mais do que patente o efeito destrutivo que algumas relações podem ter sobre a alma humana, estão nos versos que se seguem. Por terem sido fruto daqueles instantes mágicos em que os aparentemente dispersos fios de um novelo se unem formando um todo coerente e coeso, dedico a ela estes versos, os quais foram agraciados com o Prêmio Literário do Sindi-Clube, na categoria poesia.
EU...
Sei que mal te causo,
Sei que mal te inflijo.
Não há em mim, no entanto, culpa, remorso ou pesar,
Pois minha alma é vazia, um nada,
Onde não há nenhum rastro de humanidade.
Essa é minha matéria,
Essa é minha natureza,
Essa é minha essência,
E de mim não posso fugir, mas tu podes.
Portanto vá enquanto há tempo,
Antes que eu te aniquile,
Antes que eu te destrua e parta,
Pois serventia não mais terá.
Por teu bem: “Olhe além das aparências” e
Não te deixes iludir por minha faceta de bom moço,
Pois sou um mestre na arte de dissimular,
E nesta está meu prazer.
Talvez eu dê a impressão de que preciso de ti
E virás a acreditar que és minha salvação,
Mas, repito: “Não te deixes iludir” ,
Isso é apenas um jogo.
Um jogo racional, delineado, arquitetado,
Cujo único objetivo é enredar-te,
Tornar-te minha presa, torturar-te e
Fazer-te refém.
Meu maior temor é que descubras o nada que realmente sou,
Portanto não ouses fazê-lo,
Pois minha vingança será implacável,
E de ti nada mais restará.
Talvez seja difícil acreditar que minha máscara oculte
um ser cujo prazer seja destruir; jamais criar.
Que eu seja um autômato que te aniquilará de todas as formas possíveis,
Por possuíres todos os traços que minha natureza me nega.
Creia-me: escolhi-te a dedo,
Tu és sensível,
Tu és vulnerável,
Tu és humano.
Por vezes, pareço ter um rasgo de consciência, mas não te deixes enganar,
Essa é mais uma de minhas estratégias engendradas,
A fim de trazer-te para junto de mim,
A fim de confundir-te.
Meu objetivo não é roubar de ti o que possuis,
Pois em mim não há espaço para o fogo da
Empatia, do amor, da compaixão...
Sentimentos que definem nossa humanidade.
Meu prazer reside em assolar teu espírito,
Quiçá teu corpo,
Sem deixar qualquer vestígio do que um dia fostes:
Um ser dotado de alma.
E após exterminar-te, continuarei a seguir minha trilha,
Fingindo ser aquilo que nunca poderei ser,
Manipulando tudo e todos ao meu redor,
Sempre à espera da próxima presa.
Alguns me perguntam se sou feliz,
Como responder ao que não conheço?
Alimento-me de meu intelecto, de minha racionalidade,
De minha frieza, de meu desprezo.
Desprezo por aqueles que sabem o que é alegria, amor, tristeza, compaixão...
A única certeza que tenho é que permanecerei em meu caminho,
Deixando um rastro de destruição às minhas costas,
Sempre à espreita da próxima vítima,
Sempre à espreita de você.
Quem sou eu? Deves estar a perguntar.
Sou aquele que te seduz,
Sou aquele que te devora.
O lobo em pele de cordeiro,
que a teu lado está.
Cláudia S. Coelho